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quinta-feira, agosto 28, 2025
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Como o Canadá se tornou o epicentro de um surto de sarampo na América do Norte

Morgan Birch ficou intrigada quando sua filha de quatro meses, Kimie, adoeceu repentinamente com febre e erupções na pele.

A princípio, a mãe canadense achou que fosse um efeito colateral comum da vacinação – ou talvez catapora. Ela então consultou sua avó de 78 anos, que reconheceu imediatamente os sintomas de Kimie:

“Isso é sarampo”, disse a avó. Morgan ficou chocada, pois acreditava que a doença havia sido erradicada.

Um teste laboratorial confirmou a suspeita da avó: Kimie estava com sarampo, provavelmente contraído durante uma visita rotineira ao hospital na região de Edmonton semanas antes.

Kimie é uma das mais de 3.800 pessoas no Canadá infectadas por sarampo em 2025, a maioria crianças e bebês. Esse número é quase três vezes maior do que o total de casos confirmados nos EUA, apesar da população canadense ser muito menor.

Atualmente, o Canadá é o único país ocidental entre os 10 primeiros colocados com surtos de sarampo, segundo dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA), ocupando a oitava posição. Alberta, a província no epicentro do surto, tem a maior taxa per capita de disseminação da doença na América do Norte.

Esses dados levantam questões sobre por que o vírus está se espalhando mais rapidamente no Canadá do que nos EUA e se as autoridades de saúde canadenses estão fazendo o suficiente para conter o surto.


O papel da hesitação vacinal

Nos EUA, o aumento de casos de sarampo tem sido parcialmente associado a figuras públicas hesitantes em relação às vacinas, como o secretário de saúde Robert F. Kennedy Jr. – embora ele tenha posteriormente declarado que considera a vacina contra sarampo segura.

Mas no Canadá não há uma figura pública comparável, observou Maxwell Smith, professor de saúde pública da Universidade Western, em Ontário.

“Há outros fatores que precisam ser investigados aqui”, disse Smith.
“Olhar para o contexto canadense adiciona uma camada extra de complexidade.”

O sarampo está em ascensão na América do Norte, Europa e Reino Unido. Os EUA registraram este ano o maior número de casos em 33 anos. A Inglaterra teve quase 3 mil casos confirmados em 2024, seu maior número desde 2012.

Os números de 2025 do Canadá já superaram ambos. O país não via tantos casos desde que o sarampo foi declarado eliminado em 1998. Antes disso, o último pico havia sido em 2011, com cerca de 750 casos.

A vacina tríplice viral (MMR) é a forma mais eficaz de combater o sarampo — vírus altamente contagioso e perigoso, que pode levar à pneumonia, inchaço no cérebro e até à morte. A vacina tem eficácia de 97% e também protege contra caxumba e rubéola.


Como o sarampo se espalhou no Canadá

As províncias mais afetadas são Ontário e Alberta, seguidas por Manitoba.

Em Ontário, autoridades de saúde dizem que o surto começou no final de 2024, quando uma pessoa contraiu sarampo durante um grande encontro menonita em New Brunswick e voltou para casa.

Os menonitas são um grupo cristão originário da Alemanha e Holanda no século XVI. Vivem hoje em várias partes do mundo, incluindo Canadá, México e EUA.

Alguns vivem de forma moderna, mas grupos mais conservadores adotam estilos de vida simples, limitando o uso de tecnologia e recorrendo à medicina moderna apenas quando necessário.

Em Ontário, o surto se concentrou entre comunidades menonitas que falam baixo-alemão, no sudoeste da província, onde as taxas de vacinação são historicamente mais baixas devido a crenças culturais e religiosas.

Segundo dados da Saúde Pública de Ontário, quase todos os infectados não estavam vacinados.

Catalina Friesen, profissional de saúde que atua em uma clínica móvel para atender a comunidade menonita perto de Aylmer (Ontário), disse que ficou ciente do surto em fevereiro, quando atendeu uma mulher e seu filho de cinco anos com o que parecia uma infecção no ouvido — mas depois foi confirmado como sarampo.

“É a primeira vez que vejo sarampo dentro da nossa comunidade”, contou Friesen à BBC.

A partir daí, os casos se espalharam rapidamente, chegando a mais de 200 por semana em Ontário até o final de abril.

Embora os novos casos tenham caído em Ontário, Alberta tornou-se o novo epicentro. Lá, a disseminação foi tão rápida que as autoridades não conseguiram rastrear exatamente como ou onde começou o surto, disse a médica Vivien Suttorp, responsável pela saúde pública no sul de Alberta.

Ela afirmou nunca ter visto um surto tão grave em seus 18 anos de atuação na saúde pública.

Friesen observa que o Canadá tem uma maior concentração de menonitas conservadores que falam baixo-alemão do que os EUA — o que pode ter contribuído para o número elevado de casos.

Mas ela ressalta que os menonitas não são um grupo homogêneo — muitos já adotaram a vacinação. O que mudou, segundo ela, foi a rápida disseminação de desinformação antivacina após a pandemia de Covid-19.

“Há boatos de que vacinas fazem mal ou são perigosas”, diz Friesen.

Isso se soma a uma desconfiança geral no sistema de saúde, que segundo ela historicamente marginaliza sua comunidade.

“Às vezes somos julgados ou tratados com preconceito por causa da nossa origem”, relatou, acrescentando que já enfrentou discriminação em hospitais por suposições sobre suas crenças.


Vacinação em queda

Especialistas dizem que é difícil identificar exatamente por que o surto foi mais grave no Canadá do que nos EUA, mas ambos os países provavelmente subnotificam os casos.

“Os números que temos em Alberta são apenas a ponta do iceberg”, afirmou Suttorp.

Mas há um fator claro impulsionando o surto: baixas taxas de vacinação, segundo Janna Shapiro, pesquisadora do Centro de Doenças Preveníveis por Vacina da Universidade de Toronto.

“Há um elemento de acaso no início do surto, quando o vírus é introduzido em uma comunidade vulnerável”, disse ela.
“A única forma de conter um surto é aumentar a vacinação. Se as pessoas não se vacinarem, o vírus continuará se espalhando entre os não protegidos.”

Estudos mostram que a hesitação vacinal aumentou no Canadá desde a pandemia, e os dados comprovam isso. No sul de Alberta, por exemplo, o número de vacinas MMR aplicadas caiu pela metade entre 2019 e 2024.

As exigências de vacinação contra Covid-19 foram fortemente contestadas por parte da população, culminando no protesto do “Comboio da Liberdade” que bloqueou Ottawa por duas semanas em 2021.

Essa resistência se espalhou para outras vacinas, segundo Shapiro.

Além disso, interrupções durante a pandemia atrasaram a vacinação de muitas crianças. Como o sarampo parecia erradicado, muitas famílias não priorizaram atualizar a vacinação dos filhos, diz ela.

Esse não foi o caso de Morgan Birch, que iniciou o calendário de vacinação da filha Kimie assim que foi possível. Mas Kimie ainda era jovem demais para tomar a vacina contra o sarampo, normalmente aplicada aos 12 meses em Alberta.

Após o surto, Alberta reduziu a idade mínima e houve aumento na procura pela vacina.

Unidades de saúde em todo o país também estão promovendo campanhas por meio de boletins e anúncios de rádio, mas os esforços são menos intensos do que os realizados durante a pandemia, segundo autoridades.

Kimie está se recuperando, diz Morgan, mas ainda será monitorada para possíveis efeitos a longo prazo do sarampo.

A mãe diz que ficou profundamente abalada ao saber que sua filha tinha sarampo, e também “frustrada e irritada” com aqueles que optam por não vacinar seus filhos.

“Peço que as pessoas sigam as orientações de saúde pública e protejam quem não pode se proteger sozinho”, disse ela.
“Minha filha de quatro meses não deveria ter pegado sarampo em 2025.”

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